segunda-feira, 19 de maio de 2008

UM PASTOR DA COR DE OEIRAS


* Ferrer Freitas
Era tudo o que o povo de Oeiras queria, um pastor pra chamar de seu. Só não esperava, o que o alegrou mais ainda, que o pastor fosse de sua cor. A rima é boa. A recepção na manhã do último sábado, então, nem se fala. Diria, não me importando que me chamem de exagerado, bairrista ou coisas que tais, que foi uma recepção apoetótica. O povo de cor foi para as ruas, becos e vielas da velha urbe de Possidônio Queiroz e Nogueira Tapety, por sinal dois ícones oeirenses de cor, receber seu pastor de cor. Acredito que dom Juarez, se é que ainda não sabia, ficou surpreso ao constatar que a maioria dos seus diocesanos, 75%, segundo comprovado por estatísticas, é de cor, ou seja, negros ou pardos. Digo isso com orgulho, pois minha certidão de nascimento, passada no cartório do saudoso tio Joel Campos, me dá como uma criança parda, como não poderia deixar de ser, pois minha bisavó materna era uma mulher negra do Outeiro, comunidade que fica bem próxima do bairro negro do Rosário. O velho Ferrer, meu avô, não podia negar.

Foi de arrepiar! Quando dom Juarez desceu do transporte que o trazia do Ipiranga, onde pernoitara, no pórtico da cidade, o povo correu pra cima dele querendo abraçá-lo. Se deixassem, levavam-no, com certeza, até à catedral, nos ombros calejados pelas cruzes das agruras da vida. Era de ver a alegria estampada nos rostos oeirenses. Alguém próximo de mim deixou escapar: “ô povo pra gostar de um bispo!” Dom Juarez, com certeza, esperava ser bem recebido, mas não com aquela efusividade. Postou-se num transporte aberto, entre as bandeiras de Oeiras e do Vaticano, e rumanos todos para a Praça das Vitórias, com as pessoas às portas de entrada de suas residências, acenando e aplaudindo-o. Vi crianças fardadinhas com uniformes escolares, bandeirinhas à mão, recitando a uma só voz: “um, dois, três, seja bem-vindo dom Juarez!”

No adro da velha Matriz, palco monumental em que seria, mais tarde, celebrada a ordenação episcopal, a primeira a ser realizada na diocese, já se encontravam outras dezenas de fiéis à espera de seu bispo, agora, e para sempre, só deles. Um, como aquele primeiro, entusiasmadíssimo, disse à meia-voz: “este ninguém tasca, é só nosso!” E o pastor dos oeirenses assomou o adro por entre palmas demoradas e vivas entusiasmados, ouvindo o som dos velhos sinos portugueses e um foguetório ensurdecedor. À tardinha, por volta de 17 horas, iniciou-se a cerimônia de sagração presidida por dom Lorenzo Baldisseri, Núncio Apostólico, acolitado por dezessete prelados e um sem-número de sacerdotes, entre estes o festejado Padre Toni, meu pároco, que me disse mais tarde: “vocês estão de parabéns, pois tem a guiá-los, a partir de agora, um homem de Deus!”.


(*) Ferrer Freitas é ex-coroinha da diocese de Oeiras

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