segunda-feira, 19 de maio de 2008

D. Juarez

(*) Fonseca Neto

Naquele 11 de fevereiro de 1697, em assembléia, acordaram os moradores e "homens bons de todos os brejos" que "se fizeçe a Ig.iª no Breyo chamado a Mocha por ser a parte mais conveniente aos moradores de toda Povoação, ficando no meio della com iguais distancias e caminhos p.ª todos os riachos e partes povoadas [...] o taboleiro que se acha pegado a passayem do Jatubá p.ª a parte do Canindé...".
O ato em referência tem uma densa significação no processo criador da entidade cultural e política agora chamada de Piauí. Trata-se da fundação da primeira igreja-templo-freguesia dos sertões da capitania de Duarte Coelho, em seus desvãos do vale do rio Parnaíba, em direção às "Índias de Espanha" pelo repartimento de Tordesilhas. A jurisdição dessa nova paróquia é a jurisdição, quase inalterada, do Piauí de hoje. No centro, a igreja da Vitória e a cidade de Oeiras.
Pois que muito bem: trezentos e onze anos depois, neste sábado, 17 de maio, sobre o taboleiro de lajedos onde está a matriz seiscentista, benzida em 2 de março daquele 1697, os significados do ato fundador avultaram em nova assembléia -ali assistimos à sagração e posse do mais novo bispo da Igreja Católica, o padre Juarez Sousa da Silva, agora o 6º bispo diocesano de Oeiras.
Não somente os povos da "parte" do Canindé, mas de todos os vales piauienses, e outros mais, acorreram à velha cidade-capital para essa festa grandiosa de ordenação episcopal, dada nas angélicas horas em que a Oeiras da divina ardência era engolida pela luz fria da Oeiras lunar, seresteira e misteriosa.
Sob o grande crucifixo do adro, e estendendo simbolicamente os nazarenos braços, à mesa da celebração eucarística estavam sentados 17 bispos, c. de 140 padres e 150 seminaristas, 10 diáconos -entre todos dois arcebispos. A tudo presidiu dom Lorenzo Baldisseri, bispo de Diocleciana e núncio apostólico do papa no Brasil, o decano dos embaixadores em Brasília.
Juarez entrou ungido por incensos em procissão que foi saindo da secular "casa das doze janelas" e subindo ao "taboleiro" sob vivas, cantos e bandolins e rápidos dobres alegres. Passavam alguns minutos das seis da tarde... Um raio vermelho do crepúsculo descolado das nuvens desceu e tocou-lhe a fronte, enquanto a pomba da paz pousava-lhe à cabeça -esta a exata hora em que o filho do Bom Futuro das Cabeceiras virou um oeirense entre as eras católicas.
Logo viriam a enunciação do propósito do eleito; a imposição das mãos; a prece da ordenação do eleito que está prostrado e aos entôos do Kyrie e a Ladainha do preceito; a unção da cabeça; a entrega dos evangelhos; e das insígnias: anel, mitra e báculo -esta a exata hora em que Juarez recebe o dom de bispo; bispo de Oeiras, sucessor distante de frei Francisco, prelado de Olinda, pastoreando por essas tranqueiras e campinas, sagrando cristãs as sertanias de além-Cabrobró.
Oeiras tem novo bispo, após Expedito, Raimundo, Edilberto, Fernando e Augusto. A cidade está feliz: sinos, bandolins e corais para ele. Um bispo da cor das contas de seu Rosário mariano.
Em sua alocução, ficou evidenciado ao povo diocesano que dom Juarez tem cultura evangélica transfundida em fé e compromisso com sua igreja. É um estudioso da história da igreja no Piauí sentando na cátedra fundante do Piauí cristão.As notícias da assembléia de 1697, do que chama de "ata da Tranqueira", nos trouxe Dagoberto Carvalho Jr., o qual, registre-se, passeou com sua presença na fervilhante assembléia para Juarez deste 2008. E eu, lá dos pastos e franjas de mais além, também fui metido por essas liturgias no taboleiro. Novas atas foram firmadas.
Oeiras do Leme, caminhas neste lema: Ut vitam habeant.

* Artigo extraído do Jornal Diário do Povo, edição de 19/-5/08
FONSECA NETO, professor da Ufpi, advogado, diretor do CCHL

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