terça-feira, 26 de agosto de 2008

O BAZAR DE SEU HERMÍNIO

Foto: Adleuza Pacheco


* Stefano Ferreira

A casa fica localizada na praça da bandeira, conhecida como praça do coreto, onde a bandinha se apresenta com retretas aos domingos. Hoje abriga vários escritórios de advocacia. Mas não é por esse motivo, que há três dias, tem atraído centenas de pessoas.

Espalhado pelo quintal e terraços, objetos de todos os tipos, eletrodomésticos, louças, quinquilharias, facas e ferramentas para as mais variadas funções, eletro-eletrônicos, baús, móveis, depósitos, bileiras, potes, bancos, reservatórios, coisas que chegaram aquele quintal em mais de doze cargas de caminhões.

Ao olhar o cenário montado ali, vê-se logo algo de insano, fora de órbita. Tudo aquilo que hoje é exposto à venda foi adquirido pelo Senhor Hermínio Antônio da Silva, sobrevivente da 2ª Guerra Mundial, que ficara atormentado desde então, sempre a postos a uma possível guerra no Brasil.

Figura pitoresca, patriota, tinha assim um lado “Policarpo Quaresma” oeirense, ufanista bem mais radical pelo pensamento militar obsessivo sempre exposto, Hermínio era temido na cidade, desde o dia em que atirou no prédio da Prefeitura de Oeiras, dizendo que a guerra tinha começado.

No fundo, começou a se tornar parte do acervo imaterial da cidade, pois turistas, imprensa e curiosos, ao chegar á velha capital, queriam conhecê-lo, o chamavam “o homem dos carros velhos”. É que tinha uma frota de carros totalmente sem uso em seu quartel general.

Passou a vida se preparando para uma guerra que ficara apenas em sua mente. Às vezes ficava olhando aquele homem com aquela farda marrom e me questionava.

Quantas marcas ficaram em sua cabeça, quantas cenas ainda o atormentam, quantos sons ainda o faz insone.Hoje, a guerra acabou. Olhando aquelas coisas todas expostas á venda, entendi que seu Hermínio, sua vida, sua história e saga, tudo aquilo é uma metáfora viva da própria vida, guerra insana do consumo e da valorização das coisas descartáveis do mundo.

Seu Hermínio nos provou que essa vida-matéria acaba, tudo vira destroços e somente os reais valores do ser humano resistem. Pena que muitos não conseguem decifrar a metáfora exposta naquele monte de quinquilharias.

A loucura do acumular troços velhos, se revelara agora na irônica lucidez de mostrar que “coisas são só coisas”. O soldado tentou dizer para todos nós que aquilo tudo eram coisas empilhadas, jogadas e desprezadas. Nós ainda teimamos em ver valor.

O bazar já está com três dias a todo o vapor e a cidade comenta os preços baixos dos objetos que são só coisas...



Jornalista, Professor e Poeta.

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